Ecad diz que sugestões não foram ouvidas
O GLOBO: Quando o governo procurou o Ecad para conversar sobre a proposta da nova lei?
GLÓRIA BRAGA: O governo nunca procurou o Ecad para discutir a lei. Há cinco anos, o governo começou a organizar fóruns e nós fomos chamados a participar das discussões.
Nós falamos e nós ouvimos.
Depois, eles fizeram encontros abertos ao público, e passaram a ideia de que havia se chegado a uma proposta.
Foi aí que começou a confusão.
O que dissemos não foi levado em consideração. A impressão é que eles já tinham uma receita pronta.
Existe uma opção do MinC e essa opção não é em favor dos direitos dos criadores.
É em favor de quem?
Em favor de coisas como o maior acesso do povo à cultura.
Nenhum artista é contra o acesso do povo à cultura.
Mas cabe ao Estado criar políticas públicas para isso, não cabe ao Estado dizer aos criadores que eles têm que abrir mãos de seus direitos.
No caso de um herdeiro não querer que a sociedade tenha acesso ao que o artista fez, por exemplo, será que o Estado não deveria poder intervir, como sugere a nova proposta de lei?
A regra é que, durante 70 anos após a morte de um artista, os herdeiros decidem. É um bem, e é o único bem que tem um prazo de validade. A sociedade precisa ter direito de acesso a isso? Claro que sim. Mas não é o criador ou seu herdeiro que tem que abrir mão disso. Eu não sou contra a difusão cultural, mas a gente não pode matar a galinha dos ovos de ouro para os criadores. A Cacilda Becker dizia: "Não me peça para dar de graça a única coisa que eu tenho para vender."
Qual é o problema na proposta de o governo supervisionar o Ecad?
Nos países anglo-saxões, toda a discussão é em torno dos preços, e há tribunais para regular isso. Em outros, como Brasil, França ou Argentina, você pode nem chegar à discussão do valor, porque o uso da música pode não ser autorizado. Em alguns desses casos, também existe supervisão, mas é porque há associações únicas. Já o Brasil tem dez associações de música.
Amanhã podem ser 12, 15, quantas quisermos. O Estado não interveio, e elas foram criadas, todas feitas pelo esforço de seus associados.
Os artistas são donos das associações, e as associações são donas do Ecad. Não há razão para intervir nisso.
Mas uma supervisão do Estado não poderia ser importante para proteger a idoneidade na arrecadação?
Que o MinC, então, venha nos dizer que quer supervisionar o Ecad para tomar conta do preço do direito autoral. Mas não venha nos dizer que quer supervisionar para proteger os artistas, porque estará chamando os artistas de débeis mentais. E você acha que a gente vai defender a supervisão para beneficiar os usuários? Para quê? Para ajudar? Para ajudar eles deveriam escrever uma lei direito.
No ano passado, R$ 33 milhões deixaram de ser distribuídos por inadimplência de rádios. Quanto a isso, o Estado não faz nada.
Por que quatro associações não têm direito a voto dentro do Ecad?
Essas quatro que não têm voto representam menos de 6% do universo distribuído. Dentro do Ecad, elas fizeram um estatuto em que têm direito a voto as fundadoras e as que congregam o maior número de associados. É natural que, dentro de uma estrutura como a nossa, alguns tenham votos, e outros, não.
Existe uma percepção negativa do Ecad na sociedade. Ao que a senhora atribui essa percepção?
A música está em todos os lugares. Temos 400 mil usuários cadastrados que têm que pagar direito autoral. E a gente cobra de todo mundo.
Quem cobra tem uma percepção negativa.