Um coração entre Brasil e Portugal
"Minha vida fica entre os rios Tejo e Tietê", define a cantora Fafá de Belém, soltando aquelas gargalhadas que só ela sabe dar e contando sobre as celebrações dos seus 35 anos de carreira no Brasil e os 24 de sucesso em Portugal.
O relançamento do disco Meu Fado (Sony Music, R$ 20 em média), trabalho encomendado por gravadora portuguesa lançado em terras lusitanas em 1991 e no mercado brasileiro no ano seguinte marca o reinício dessa troca de longa data.
"O projeto era trazer o fado para um público mais jovem, ideia de Mário Martins, que foi o grande produtor da Amália Rodrigues. Começamos a trabalhar em cima do repertório entre lá e cá. Era um tal de fita cassete vindo por correio, faxes trocados", conta a cantora.
O nome de Fafá foi escolhido pelo próprio povo português. "Fizeram uma lista de três cantoras brasileiras. Meu nome foi aprovado e o menos rejeitado".
Passeando por clássicos como Canoa do Tejo e Nem às Paredes Confesso, o álbum ainda traz Memórias, canção do pernambucano Leonardo Sullivan, que acabou incorporada ao repertório fadista portugueses.
A opção não foi cantar ao modo português, mas mesmo assim o canto traz as características fadísticas. "Canto na métrica do fado, ele tem divisão diferenciada. Fado só se grava acústico. É no tempo e na emoção da voz do cantor que os instrumentos são tocados. É uma experiência delicada, visceral", diz.
Em Portugal, segundo Fafá, o disco alcançou a marca de 100 mil discos comercializados em duas semanas. Aqui no Brasil, o sucesso foi ainda maior. "Foram 500 mil discos vendidos. Depois o licenciamento acabou e o disco sumiu das prateleiras".
Descendente de portugueses, Maria de Fátima Palha de Figueiredo desde cedo viveu mergulhada no universo das canções de Portugal. "Minha avó tinha todos os discos da Amália. Em casa tocava-se muito Francisco José, que é considerado o Roberto Carlos português", lembra.
Prova de que a paixão é recíproca está no hino do Benfica, time de futebol lusitano que tomou a famosa canção Vermelho como seu tema.
Ano de gravações – "Esse é um ano atípico, de Copa, Eleições. Vou me enfiar em estúdios para gravar DVDs. Tenho muitas imagens em televisão, mas nada que se pode guardar. Esse é o tempo de registrar o que eu canto".
Os registros em vídeo serão dos discos Tanto Mar (2005), em que a intérprete homenageia Chico Buarque e Água (1977), que catapultou a carreira de Fafá com sucessos como Foi Assim e Pauapixuna, e do show Meu Fado, que vem cheio de incrementos.
"Meu Fado trará não só guitarristas portugueses, mas intérpretes homem e mulher lusitanos. Farei turnê em locais de grande imigração portuguesa e incluirei no repertório mais canções tradicionais", conta Fafá.
Ano de novidades – Em 2011, ano novo, vida nova, segundo a cantora. "CD de inéditas só vai sair no fim do ano que vem, porque no meio do ano tenho um projeto que envolve um olhar sobre muitas coisas, canções antigas, mais recentes, não inéditas, mas que não foram lançadas no mercado", adianta.
Vem também algo inédito dedicado a Portugal. "Quero cantar fado contemporâneo. Vou fazer basicamente com a mesma equipe de Meu Fado, só que será voltado para tudo o que tem sido feito por lá nesses tempos".
Generosidade e atitude – Questionada se, no meio de todos esses projetos, o melhor período de sua carreira é o presente, Fafá olha para o que está por vir. "O melhor momento é sempre amanhã, a vida é uma descoberta diária. Ouvir, descobrir e caminhar para frente, essa é a minha onda. Acordo quase sempre com 22 anos", diz.
Quando conversou com o Diário, a cantora estava em muitas apresentações, de muitos estilos diferenciados. "Hoje estarei no Festival de Música de Londrina. Anteontem cantei com uma orquestra sinfônica, amanhã tenho show de voz e piano. E tudo para uma garotada que não me conhece, mas que se identifica com a minha atitude e através dela descobre minha canção", afirma.
Sobre as reconfigurações do mercado fonográfico e o aumento no consumo da música digital, a cantora lança um olhar generoso para o personagem que é o menos reconhecido nesse processo. "Eu faço shows, os músicos também. Agora, o autor da música, o compositor, ele ganha do que ele vende. Os direitos dele têm que ser reservados. Esse papo de que tem que acabar com o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – órgão de arrecadação e distribuição de direitos autorais) não pode acontecer. O autor precisa receber pelo que produz", entende.
O comum, entre tanta vida, tantos projetos, o futuro, o passado e o presente, é o amor por dois países e uma mesma língua. "Meu coração é verde com uma banda amarela e a outra vermelha", finaliza Fafá com mais uma de suas risadas únicas.